A escritora Alice Vieira revelou hoje que se sentiu surpreendida pela falta de cultura bíblica, nomeadamente entre as crianças, para quem escreveu o livro “Histórias da Bíblia para ler e pensar”.
«Espanta-me muito que se leia tão pouco a Bíblia», afirmou Alice Vieira durante a
5.ª Jornada de Teologia Prática, centrada no tema “As intrigantes linguagens da fé”, que decorre na Universidade Católica, em Lisboa.
A autora qualificou de «assustadora» a ausência de cultura bíblica entre as crianças: «Estamos numa laicização tremenda».
Alice Vieira começou a sua intervenção recordando que as famílias por onde passou eram «profundamente anticlericais», sendo comum ouvir dizer: «Se eu vir um padre, é como ver um gato preto».
O primeiro contacto de Alice Vieira com a Bíblia foi na escola secundária, através de uma professora de Religião e Moral, que nas aulas lia textos da Sagrada Escritura: «Abriu-me horizontes extraordinários».
Aos 18 anos entrou para a faculdade e para o jornal “Diário de Lisboa”, onde conheceu um «católico fervoroso, e não menos fervoroso comunista», que viria a ser o marido, o jornalista e escritor Mário Castrim.
O primeiro presente que recebeu dele foi uma Bíblia «destinada a ser lida como literatura»: «Tudo o que precisares, abre o livro ao calhas e encontras a resposta». Desde então, as leituras bíblicas foram «sempre algo normal» em sua casa.
Com o passar dos anos, Alice Vieira percebeu que o texto bíblico está «muito presente nas histórias da tradição popular» portuguesa, com personagens ligadas ao Antigo e Novo Testamento, bem como à vida dos santos, tudo pontuado pela «intervenção divina, que é uma constante».
Antes de escolher as histórias da Bíblia para o seu livro, consultou a neta, que lhe fez um único pedido: incluir a narrativa de Rute, a que acrescentou as histórias de Ester, David e Golias, e Salomão, entre outros personagens.
Colecionadora de Bíblias, Alice Vieira supunha que as suas histórias iriam encontrar leitores minimamente enquadrados com as narrativas: «Na minha ingenuidade, pensava que já conheciam as histórias, mas não».
«Para chegar às crianças temos de pensar muito bem na linguagem. Não é utilizar linguagem pobrezinha, pensando que não percebem as palavras difíceis», explicou.
Por outro lado, «tem de ser uma palavra que chegue ao coração, ritmada, com cadência», como se encontram nas histórias tradicionais», sublinhou a escritora, que realçou também a «grande incidência nos pormenores» que dá às suas histórias.
«Gostaria muito que as crianças tivessem quem lhes lesse as histórias», assinalou Alice Vieira, porque a Bíblia é um alicerce para a infância e a vida adulta: «Faz muita falta para entender o mundo, para nos entendermos a nós».
Nas 80 escolas que, em média, percorre anualmente, dificilmente encontra o seu livro nas bibliotecas de escolas não católicas, porque os responsáveis temem a oposição dos pais.
Rui Jorge Martins
Publicado em 14.11.2014