sexta-feira, 7 de março de 2014

Pó e só pó

"Lembra-te, ó homem, que és pó, e pó te hás-de tornar!

Quem faz questão de nos lembrar isto continuamente não é a Igreja na sua Liturgia das Cinzas. Quem faz questão de o mostrar de tantas maneiras são as potências e os potentes do mundo que, por sua vontade, reduziriam tudo a pó para construírem os pedestais dos seus próprios bustos glorificados. Passamos os olhos por quatro dos cinco continentes e vemos, neste preciso momento, o pó no ar, levantado, revolvido, nas praças de tantas lutas e nas valas comuns de algumas chagas abertas da Humanidade. Entre gente que avança e gente que foge, a verdade é que há horas em que aparecemos diante do nosso próprio olhar como coisa bem estranha! Se Jesus criticava os que queriam construir a vida sobre a areia, hoje certamente criticaria aqueles que querem construir sobre as cinzas de tudo o que estão dispostos a destruir no caminho.

Lembra-te, ó homem, que és pó, e pó te hás-de tornar!

A ciência também já aprendeu, maravilhada, este refrão! Somos poeira estelar, pó do Universo, e voltaremos a integrar dessa maneira o cosmos que formamos. Isso é maravilhoso. Não é o pó levantado pelos nossos pés em luta, mas o pó estelar que tem milhões de anos de histórias para contar. E nós, maravilhosamente, parte disto. Parte de uma partitura criacional imensa, grandiosa... Com uma estrutura nuclear e molecular da qual não somos donos mas devedores. Somos, biologicamente, uma dívida! Vivemos, em tudo, de Graça. No mais matricial da nossa existência, não temos a hipótese de ser donos nem individuais: somos graciosos e interligados a tudo. Acredito que o caminho da conversão da nossa vida também passa muito por aqui, pela descoberta da existência como Pertença e Graça".
Rui Santiago

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