quarta-feira, 26 de fevereiro de 2014

Escuto mas não sei...


Escuto mas não sei
Se o que oiço é silêncio
Ou Deus

Escuto sem saber se estou ouvindo
O ressoar das planícies do vazio
Ou a consciência atenta
Que nos confins do universo
Me decifra e fita

Apenas sei que caminho como quem
É olhado amado e conhecido
E por isso em cada gesto ponho
Solenidade e risco

Sophia de Mello Breyner Andresen,
em Obra poética I, Circulo de leitores

sexta-feira, 21 de fevereiro de 2014

Degelo no Ártico



Os cientistas norte-americanos ficaram chocados com um vídeo que mostra como o gelo que até há apenas 26 anos dominava o Ártico praticamente já desapareceu. O vídeo, de um minuto, foi apresentado há dois dias em Chicago pela NOAA (National Oceanic Atmospheric Admnistration).
O vídeo, com a duração de apenas um minuto, e que será publicado na próxima edição da revista 'Science'", ilustra de forma dramática o que sucedeu ao gelo do Ártico no último quarto de século. A "mensagem" deixa poucas dúvidas: à medida que os anos avançam a superfície total da zona gelada do Ártico vai-se tornando cada vez mais pequena. Se há um quarto de século as áreas cobertas por gelo ocupavam 26% do total, agora estão reduzidas a apenas 7%.
Fonte: DN Ciência

quarta-feira, 19 de fevereiro de 2014

A GRAÇA DE SER DE NOVO


"O que te peço Senhor, é a graça de ser. Não te peço sapatos, peço-te caminhos. O gosto dos caminhos recomeçados, com as suas surpresas e suas mudanças. Não te peço coisas para segurar, mas que as minhas mãos vazias se entusiasmem na construção da vida. Não te peço que pares o tempo na minha imagem predileta, mas ensines meus olhos a encarar cada tempo como uma nova oportunidade. Afasta de mim as palavras que servem apenas para evocar cansaços, desânimos, distâncias. Que eu não pense saber já tudo acerca de mim e dos outros. Mesmo quando não tenho sei que posso ser, ser simplesmente. É isso que te peço, Senhor: a graça de ser de novo."

in José Tolentino de Mendonça, "Um Deus que dança"

sábado, 15 de fevereiro de 2014

Tudo o que tenho, e nada tenho, é teu



"Descalço venho dos confins da infância
Que a minha infância ainda não morreu.
Atrás de mim em face ainda há distância
Menino Deus, Jesus da minha infância,
Tudo o que tenho, e nada tenho, é teu
 
Venho da estranha noite dos poetas,
Noite em que o mundo nunca me entendeu
Vê trago as mãos vazias dos poetas.
Menino Deus, amigo dos poetas,
Tudo o que tenho, e nada tenho, é teu

 
Feriu-me um dardo, ensanguentei as ruas
Onde o demónio em vão me apareceu.
Porque as estrelas todas eram suas
Menino irmão dos que erram pelas ruas
Tudo o que tenho, e nada tenho, é teu

 
 Quem te de ignorar ignora os que são tristes
Ó meu irmão Jesus, triste como eu
Ó meu irmão, menino de olhos tristes,
Nada mais tenho além dos olhos tristes
Tudo o que tenho, e nada tenho, é teu!"
                                                                 Pedro Homem de Mello

 

segunda-feira, 3 de fevereiro de 2014

Só no interior

Nada tão silencioso como o tempo
no interior do corpo. Porque ele passa
com um rumor de pedras que nos cobrem,
e pelo sonoro desalinho de algumas árvores
que são os nossos cabelos imaginários.
Até nas íris dos olhos o tempo
faz estalar faíscas de luz breve.

Só no interior sem nome do nosso corpo
ou esfera húmida de algum astro
ignoto, numa órbita apartada,
O tempo caladamente persegue
O sangue que se esvai sem som.
Entre o princípio e o fim vem corroer
as vísceras, que ocultamos como a Terra.

Trilam os lábios nossos, à semelhança
das musicais manhãs dos pássaros.
Mesmo os ouvidos cantam até à noite
ouvindo o amor de cada dia.
A pele escorre pelo corpo, como o seu correr
de água, e as lágrimas da angústia
são estridentes quando buscam o eco.

Mas não sentimos dentro do coração que somos
filhos dilectos do tempo e que, se hoje amamos,
foi depois de termos amado ontem.
O tempo é silencioso e enigmático
imerso no denso calor do ventre.
Guardado no silêncio mais espesso,
O tempo faz e desfaz a vida.

Fiama Hasse Pais Brandão,

in Cenas Vivas
, Relógio d'Água