terça-feira, 30 de março de 2010

Os ombros suportam o mundo


Chega um tempo em que não se diz mais: meu Deus.
Tempo de absoluta depuração.
Tempo em que não se diz mais: meu amor.
Porque o amor resultou inútil.
E os olhos não choram.
E as mãos tecem apenas o rude trabalho.
E o coração está seco.

Em vão mulheres batem à porta, não abrirás.
Ficaste sozinho, a luz apagou-se,
mas na sombra teus olhos resplandecem enormes.
És todo certeza, já não sabes sofrer.
E nada esperas de teus amigos.

Pouco importa venha a velhice, que é a velhice?
Teus ombros suportam o mundo
e ele não pesa mais que a mão de uma criança.
As guerras, as fomes, as discussões dentro dos edifícios
provam apenas que a vida prossegue
e nem todos se libertaram ainda.

Alguns, achando bárbaro o espetáculo
prefeririam (os delicados) morrer.
Chegou um tempo em que não adianta morrer.
Chegou um tempo que a vida é uma ordem.
A vida apenas, sem mistificação.
Carlos Drummond de Andrade

4 comentários:

Transmontana disse...

Lindo!!!
Anita

Ana Rita disse...

Concordo com o 1º comentário!

Anónimo disse...

EU TAMBEM CONCORDO COM O PRIMEIRO

Anónimo disse...

Mais do que bonito, é verdade. E o pior é que aprendemos a fazê-lo cada vez mais cedo.

Por favor, NUNCA MANDEM UMA CRIANÇA PARAR DE CHORAR! QUANDO MUITO E SE SENTIREM VONTADE CHOREM COM ELA ENQUANTO NÃO OSTENTAREM NO PEITO UM CORAÇÃO DE MÁRMORE. Elas é que têm razão.


beijo.


Luz.