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segunda-feira, 17 de março de 2014

Devagar...


Não: devagar.
Devagar, porque não sei
Onde quero ir.
Há entre mim e os meus passos
Uma divergência instintiva.
Há entre quem sou e estou
Uma diferença de verbo
Que corresponde à realidade.

Devagar…
Sim, devagar…
Quero pensar no que quer dizer
Este devagar…
Talvez o mundo exterior tenha pressa demais.
Talvez a alma vulgar queira chegar mais cedo.
Talvez a impressão dos momentos seja muito próxima…

Talvez isso tudo…
Mas o que me preocupa é essa palavra devagar…
O que é que tem de ser devagar?
Se calhar é o universo…
A verdade manda Deus que se diga.
Mas ouviu alguém isso a Deus?

Álvaro de Campos

1 comentário:

  1. Não Tenho Pressa
    Não tenho pressa. Pressa de quê?
    Não têm pressa o sol e a lua: estão certos.
    Ter pressa é crer que a gente passa adiante das pernas,
    Ou que, dando um pulo, salta por cima da sombra.
    Não; não sei ter pressa.
    Se estendo o braço, chego exactamente aonde o meu braço chega -
    Nem um centímetro mais longe.
    Toco só onde toco, não aonde penso.
    Só me posso sentar aonde estou.
    E isto faz rir como todas as verdades absolutamente verdadeiras,
    Mas o que faz rir a valer é que nós pensamos sempre noutra coisa,
    E vivemos vadios da nossa realidade.
    E estamos sempre fora dela porque estamos aqui.

    Alberto Caeiro, in "Poemas Inconjuntos"
    Heterónimo de Fernando Pessoa

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