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sexta-feira, 28 de junho de 2013

Há noites

"Há noites que são feitas dos meus braços
E um silêncio comum às violetas.
E há sete luas que são sete traços
De sete noites que nunca foram feitas.
 
Há noites que levamos à cintura
Como um cinto de grandes borboletas.
E um risco a sangue na nossa carne escura.
Duma espada à bainha dum cometa.
 
Há noites que nos deixam para trás
Enrolados no nosso desencanto
E cisnes brancos que só são iguais
À mais longínqua onda do seu canto.
 
Há noites que nos levam para onde
O fantasma de nós fica mais perto;
E é sempre a nossa voz que nos responde 
E só o nosso nome estava certo.
 
Há noites que são lírios e são feras
E a nossa exatidão de rosa vil
Reconcilia no frio das esferas
Os astros que se olham de perfil."
Natália Correia, in "Dimensão Encontrada", 1957

1 comentário:

  1. A Mais Bela Noite do Mundo


    Hoje será o fim!

    Hoje
    nem este falso silêncio
    dos meus gestos malogrados
    debruçando-se
    sobre os meus ombros nus
    e esmagados!

    Nem o luar, pano baço de cenário velho,
    escutando
    a minha prisão de viver
    a lição que me ditavam:
    - Menino! acende uma vela na tua vida,
    que o sol, a luz e o ar
    são perfumes de pecado.
    Tem braços longos e tentadores – o dia!

    - Menino! recolhe-te na sombra do meu regaço
    que teus pés
    são feitos de barro e cansaço!

    (Era esta a voz do papão
    pintado de belo
    na máscara de papelão).

    Eram inúteis e magoadas as noites da minha rua...
    Noites de lua
    que lembravam as grilhetas
    da minha vida parada.

    - Amanhã,
    terás os mestres, as aulas, os amigos e os livros
    e o espectáculo da morgue
    morando durante dias
    nos teus sentidos gorados.

    Amanhã,
    será o ultrapassar outra curva
    no teu caminho destinado.

    (Era esta a voz do papão
    que acendia a vela, tinha regaço de sombra
    e velava
    as noites da minha rua e a minha vida
    e pintava-se de belo
    na máscara de papelão).

    Hoje,
    será o fim!

    Hoje,
    nem a sombra do que há-de vir,
    nem os mestres, nem os amigos, nem os livros,
    nem a fragilidade dos meus pés
    feitos de barro e cansaço!
    Todas as minhas revoltas domadas,
    todos os meus gestos em meio
    e as minhas palavras sufocadas
    terão a sua hora de viver e amar!

    Hoje,
    nem o cadáver a sorrir na morgue,
    nem as mãos que ficaram angustiosas,
    arrepiadas
    no seu medo de findar!

    Hoje,
    será a mais bela noite do mundo!

    Fernando Namora, in 'Mar de Sargaços'

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