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sexta-feira, 22 de junho de 2012

Devagar



Não: devagar. 
Devagar, porque não sei 
Onde quero ir. 
Há entre mim e os meus passos 
Uma divergência instintiva. 

Há entre quem sou e estou 
Uma diferença de verbo 
Que corresponde à realidade.
Devagar... 
Sim, devagar... 
Quero pensar no que quer dizer 
Este devagar... 

Talvez o mundo exterior tenha pressa demais. 
Talvez a alma vulgar queira chegar mais cedo. 
Talvez a impressão dos momentos seja muito próxima...
Talvez isso tudo... 
Mas o que me preocupa é esta palavra devagar... 
O que é que tem que ser devagar? 
Se calhar é o universo... 
A verdade manda Deus que se diga. 
Mas ouviu alguém isso a Deus?

Álvaro de Campos (30-12 1934) 
In Poesia, Assírio & Alvim, ed. Teresa Rita Lopes, 2002

2 comentários:

  1. NO TEMPO EM QUE FESTEJAVAM O DIA DOS MEUS ANOS

    No tempo em que festejavam o dia dos meus anos,
    Eu era feliz e ninguém estava morto.
    Na casa antiga, até eu fazer anos era uma tradição de há séculos,
    E a alegria de todos, e a minha, estava certa com uma religião qualquer.
    No tempo em que festejavam o dia dos meus anos,
    Eu tinha a grande saúde de não perceber coisa nenhuma,
    De ser inteligente para entre a família,
    E de não ter as esperanças que os outros tinham por mim.
    Quando vim a ter esperanças, já não sabia ter esperanças.
    Quando vim a.olhar para a vida, perdera o sentido da vida.
    Sim, o que fui de suposto a mim-mesmo,
    O que fui de coração e parentesco.
    O que fui de serões de meia-província,
    O que fui de amarem-me e eu ser menino,
    O que fui — ai, meu Deus!, o que só hoje sei que fui...
    A que distância!...
    (Nem o acho... )
    O tempo em que festejavam o dia dos meus anos!
    O que eu sou hoje é como a umidade no corredor do fim da casa,
    Pondo grelado nas paredes...
    O que eu sou hoje (e a casa dos que me amaram treme através das minhas lágrimas),
    O que eu sou hoje é terem vendido a casa,
    É terem morrido todos,
    É estar eu sobrevivente a mim-mesmo como um fósforo frio...
    No tempo em que festejavam o dia dos meus anos ...
    Que meu amor, como uma pessoa, esse tempo!
    Desejo físico da alma de se encontrar ali outra vez,
    Por uma viagem metafísica e carnal,
    Com uma dualidade de eu para mim...
    Comer o passado como pão de fome, sem tempo de manteiga nos dentes!
    Vejo tudo outra vez com uma nitidez que me cega para o que há aqui...
    A mesa posta com mais lugares, com melhores desenhos na loiça, com mais copos,
    O aparador com muitas coisas — doces, frutas, o resto na sombra debaixo do alçado,
    As tias velhas, os primos diferentes, e tudo era por minha causa,
    No tempo em que festejavam o dia dos meus anos. . .
    Pára, meu coração!
    Não penses! Deixa o pensar na cabeça!
    Ó meu Deus, meu Deus, meu Deus!
    Hoje já não faço anos.
    Duro.
    Somam-se-me dias.
    Serei velho quando o for.
    Mais nada.
    Raiva de não ter trazido o passado roubado na algibeira! ...
    O tempo em que festejavam o dia dos meus anos.

    Álvaro de Campos


    Feliz sábado!

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  2. Richard Bach... adoro!

    Pensamos, às vezes, que não restou
    um só dragão.
    Não há mais qualquer bravo cavaleiro, nem uma única
    princesa a passear por florestas encantadas.
    Pensamos às vezes, que a nossa era está além das fronteiras,
    além das aventuras. Que o destino
    já passou do
    horizonte e se foi para sempre.
    É um prazer estar enganado.
    Princesas e cavaleiros,
    encantamentos e dragões, mistério
    e aventura... não apenas
    existem aqui e agora,
    mas também continuam a ser
    tudo o que
    já existiu nesse mundo!
    Em nosso século, só mudaram de roupagem. As aparências
    se tornaram tão insidiosas, que princesas e cavaleiros
    podem se esconder um dos
    outros, podem se
    esconder até de si mesmo.
    Contudo, os mestres da realidade ainda nos encontram em
    sonhos para dizer que nunca perdemos o escudo de
    que precisamos contra os dragões,
    que uma descarga de fogo azul
    nos envolve agora, a fim
    de que possamos mudar
    o mundo como desejarmos.
    A intuição sussurra a verdade!
    Não somos poeira, somos magia!
    Feche os olhos e siga sua intuição.

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