Pages

sexta-feira, 6 de janeiro de 2012

Aurora boreal


Tenho quarenta janelas
nas paredes do meu quarto.
Sem vidros nem bambinelas
posso ver através delas
o mundo em que me reparto.
Por uma entra a luz do Sol,
por outra a luz do luar,
por outra a luz das estrelas
que andam no céu a rolar.
Por esta entra a Via Láctea
como um vapor de algodão,
por aquela a luz dos homens,
pela outra a escuridão.
Pela maior entra o espanto,
pela menor a certeza,
pela da frente a beleza
que inunda de canto a canto.
Pela quadrada entra a esperança
de quatro lados iguais,
quatro arestas, quatro vértices,
quatro pontos cardeais.
Pela redonda entra o sonho,
que as vigias são redondas,
e o sonho afaga e embala
à semelhança das ondas.
Por além entra a tristeza,
por aquela entra a saudade,
e o desejo, e a humildade,
e o silêncio, e a surpresa,
e o amor dos homens, e o tédio,
e o medo, e a melancolia,
e essa fome sem remédio
a que se chama poesia,
e a inocência, e a bondade,
e a dor própria, e a dor alheia,
e a paixão que se incendeia,
e a viuvez, e a piedade,
e o grande pássaro branco,
e o grande pássaro negro
que se olham obliquamente,
arrepiados de medo,
todos os risos e choros,
todas as fomes e sedes,
tudo alonga a sua sombra
nas minhas quatro paredes.

Oh janelas do meu quarto,
quem vos pudesse rasgar!
Com tanta janela aberta
falta-me a luz e o ar.


[ António Gedeão]

1 comentário:

  1. Boa tarde!

    Em DIA DE REIS é costume cantarem-se AS JANEIRAS. Inspirado nesta tradição, Zeca Afonso criou e cantou, como ninguém o fez, depois dele, esta linda canção:









    Vamos cantar as janeiras
    Vamos cantar as janeiras
    Por esses quintais adentro vamos
    Às raparigas solteiras
    Vamos cantar orvalhadas
    Vamos cantar orvalhadas
    Por esses quintais adentro vamos
    Às raparigas casadas


    Vira o vento e muda a sorte
    Vira o vento e muda a sorte
    Por aqueles olivais perdidos
    Foi-se embora o vento norte



    Muita neve cai na serra
    Muita neve cai na serra
    Só se lembra dos caminhos velhos
    Quem tem saudades da terra



    Quem tem a candeia acesa
    Quem tem a candeia acesa
    Rabanadas pão e vinho novo
    Matava a fome à pobreza



    Já nos cansa esta lonjura
    Já nos cansa esta lonjura
    Só se lembra dos caminhos velhos
    Quem anda à noite à ventura


    Zeca Afonso

    Desejo a todos uma noite de Dia de Reis bem passada.

    Anita

    ResponderEliminar