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quarta-feira, 30 de setembro de 2015
segunda-feira, 28 de setembro de 2015
O Deus da moda
O Deus da Moda
Frei Bento Domingues, O. P.
1. Perguntaram, há dias, a um refugiado a razão que o tinha levado a abandonar o seu país, arriscar tudo e encontrar-se naquela situação horrível, rodeado de desconhecidos, encurralados pela polícia, sem destino garantido. A resposta surgiu da forma mais natural e óbvia: eu procuro uma vida boa e no Iraque já não se pode viver.
Aristóteles, um dos fundadores da ética filosófica ocidental, não diria melhor. O desejo e a tenacidade são as asas do ser humano. Na desordem do mundo, impelido pela esperança, mesmo contra toda a esperança, acredita misteriosamente num horizonte de justiça e misericórdia.
Ao começar esta crónica deparei com um texto que li, pela primeira vez, há 25 anos. Em 1990, a direcção da Revista Portuguesa de Filosofia pediu um texto ao filósofo Paul Ricoeur, autor de uma vasta e multifacetada obra de hermenêutica. A revista conseguiu a publicação de um texto inédito notável e no qual expunha a sua distinção entre ética e moral [1].
Nem a etimologia nem a história o obrigavam a marcar essa diferença, tanto mais que se tornou corrente usar indiferentemente uma ou outra palavra, para designar a fonte e as normas do comportamento humano, enquanto humano. Não se esqueça que existe, paradoxalmente, muita moral sem ética nenhuma e muita ética à vontade do freguês.
O filósofo francês tornou fecunda essa distinção. Recolheu as duas heranças mais famosas da ética filosófica: a aristotélica - a do desejo, do prazer, da felicidade - e a kantiana - a da norma, da lei, do dever. Sem cair em falsas simplificações, desenvolveu-as nos debates sobre a justiça de J. Rawls e M. Walzer e assumiu as argúcias virtuosas de Aristóteles.
Para Ricoeur, o que é visado pela ética define-se nestes termos: a procura da vida boa, com e para os outros, em instituições justas.
É normal e sadio que cada um procure a sua realização humana, enquanto humana, isto é, o livre desabrochar das suas aspirações e capacidades mais profundas. Não de forma isolada e egoísta, pois implica o reconhecimento, nos outros, de igual desígnio e da mesma capacidade de procura humana de felicidade. Para superar as desigualdades inevitáveis existem processos justos e o recurso humano à solicitude, à compaixão para com os mais débeis.
Numa sociedade não bastam, porém, as relações de amizade interpessoais. Por isso, P. Ricoeur acrescenta: em instituições justas. A vida de uma comunidade histórica exige um sistema de partilha, de direitos e de deveres. A justiça consiste em atribuir a cada um a sua parte. Todos e cada um são destinatários de uma partilha justa. O sentido do que é justo faz-se notar, por vezes, mediante a exclamação da sua ausência: é injusto!
2. I. Kant resolveu eliminar do desígnio ético o desejo, o prazer, a felicidade. Esta depuração leva ao imperativo universalista, nu e cru: ”age unicamente segundo a máxima que faz com que tu podes querer ao mesmo tempo que ela se torne lei universal”. A segunda fórmula deste imperativo apresenta-se mais enriquecida: “Age de tal maneira que uses a humanidade, tanto na tua pessoa como na pessoa de qualquer outro, sempre e simultaneamente como fim e nunca simplesmente como meio”.
A grandeza e a exaltação desta fórmula nunca poderão ser exageradas e, no entanto, talvez seja a mais esquecida: a pessoa nunca pode ser usada como um meio para algo melhor do que ela. Não tem preço, é um valor absoluto.
Ricoeur não se esquece da ética das virtudes que tornam bom quem as vive e boas as suas acções. Ao concluir o seu texto, lembra que a ordem de prioridade das reivindicações de segurança, liberdade, solidariedade, etc., não são sempre as mesmas em cada povo e em cada época. Exige um debate público, sem garantias de êxito. Como dizia Aristóteles, a equidade (epieikeia) é superior à lei, pois é um correctivo da lei que por natureza é geral, abstracta não pode prever tudo. A justiça exerce-se no concreto, no singular, no imprevisto.
3. Não renego o que escrevi, mas a realidade actual é outra. A jornalista Aura Miguel perguntou ao Papa Francisco como estava a viver a crise dos refugiados. A resposta deveria ser o nosso texto de meditação para não nos satisfazermos com alguns gestos de solidariedade, deixando o mundo correr na sua loucura para a guerra que se prepara sob os nossos olhos: “Vemos estes refugiados, esta pobre gente que escapa da guerra, da fome, mas essa é a ponta do icebergue. Porque debaixo dele, está a causa; e a causa é um sistema socioeconómico mau e injusto, porque dentro de um sistema económico, dentro de tudo, dentro do mundo - falando do problema ecológico-, dentro da sociedade socioeconómica, dentro da política, o centro tem de ser sempre a pessoa. E o sistema económico dominante, hoje em dia, descentrou a pessoa, colocando no centro o deus dinheiro, que é o ídolo da moda. Ou seja, há estatísticas, não me recordo bem (isto não é exacto e posso equivocar-me), mas 17% da população mundial detém 80% das riquezas”.
Os ídolos da eterna juventude, do permanente crescimento económico, do dinheiro, do totalitarismo da falsa comunicação alimentam-se do desejo de todos ao serviço de uma elite.
Público, 27.09.2015
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[1] Paul Ricoeur, Ethique et Morale, Revista Portuguesa de Filosofia, Janeiro-Março 1990, págs 5-17
domingo, 27 de setembro de 2015
terça-feira, 22 de setembro de 2015
quinta-feira, 17 de setembro de 2015
Caminho .....
"Não é à toa que entendo os que buscam caminho. Como busquei arduamente o meu! E como hoje busco com sofreguidão e aspereza o meu melhor modo de ser, o meu atalho, já que não ouso mais falar em caminho. Eu que tinha querido. O Caminho, com letra maiúscula, hoje me agarro ferozmente à procura de um modo de andar, de um passo certo. Mas o atalho com sombras refrescantes e reflexo de luz entre as árvores,
o atalho onde eu seja finalmente eu, isso não encontrei. Mas sei de uma coisa: meu caminho não sou eu, é outro, é os outros. Quando eu puder sentir plenamente o outro estarei salva e pensarei: eis o meu porto de chegada".
Clarice Lispector in Crónicas no ‘Jornal do Brasil (1968)’ .